Foto: Asley Ravel

Em algum dia de 2013, eu visitei o poeta Dedé Monteiro em sua casa, em Tabira, Pernambuco. Fui lá pedir a benção de usar o mote de sua autoria "Batente de Pau de Casarão" como título do disco de 2015. Nesse dia, gravei o áudio da nossa conversa onde ele diz da origem do mote, do carinho por Zeto do Pajéu, e de outros motes. Filmamos ainda a declamação do poeta do versos do poema Batente de Pau do Casarão.

Eta, Dedé Monteiro... Obrigado pela poesia!

Abaixo os versos de seu poema que deu origem ao mote

O BATENTE DE PAU DO CASARÃO
Dedé Monteiro

Quando foi construída há muito mais
De cem anos a casa da fazenda
Seu batente foi feito de encomenda
Por alguém que morreu oitenta atrás
Sob o peso cruel dos dois portais
Humilhado de bruços sob o chão
Ele lembra quem sabe um seu irmão
Que no mato ficou sem ser cortado
Lamentando o destino desgraçado
Do batente de pau do casarão

Era rija, quinada e resistente
Essa peça de pau que existe ainda
Mas o tempo, dragão que tudo finda
Foi aos poucos deixando diferente
Hoje, um velho pisando esse batente
Sentirá a maior recordação
Pois em tempos que longes já se vão
Ele forte pisara essa madeira
E hoje fraco se pisa é na caveira
Do batente de pau do casarão

Nessa casa, durante o casamento
Do primeiro casal que morou nela
O batente levou mais pisadela
Do que Cristo durante o seu tormento
Até tarde durou seu sofrimento
Recebendo e soltando a multidão
Que entrava e saía no salão
Trinta vezes, quarenta por minuto
Sem querer maltratando o corpo bruto
Do batente de pau do casarão

Nessa noite, depois que todo mundo
Foi embora deixando os dois a sós
Eles dois do amor ouvindo a voz
Se beijaram de um modo tão profundo
Que a esposa depois respirou fundo
E lhe disse "querido, agora não
Eu depois lhe darei meu coração
Mas queria aguardar esse depois
Vendo a lua sorrindo pra nós dois
Do batente de pau do casarão"

Quantas vezes ouviu em sua vida
As batidas da porta que sustenta
Ora calma, mas ora violenta
Dependendo da força da batida
Mais de sua metade foi comida
Pelos pés da passada geração
Nunca mais a alma humana pôs a mão
Onde os pés provocaram tantos danos
Danos esses que falam sobre os anos
Do batente de pau do casarão

Sobre a sua carcaça a gente lê
Sua vida, seus feitos, sua história
Desde o tempo feliz de sua glória
Aos destroços que agora a gente vê
Onde estão os seus donos e por que
O deixaram nas mãos da solidão
Os seus restos mortais já não nos dão
A firmeza do tempo em que era vivo
Resta agora somente o negativo
Do batente de pau do casarão

Quantas vezes seu dono não botou
Entre as oito da noite, nove ou dez
Uma cuia com água entre seus pés
E sentado em seu dorso se banhou
Quantas vez alguém não o pisou
E gritou "ô, de casa, meu patrão" 
E no mesmo momento um cidadão
Respondendo "ô, de fora", a porta abria
Só então a visita se descia
Do batente de pau do casarão

Sua face rugosa, rota e fraca
Guarda ainda mil marcas do passado
Provocadas por gumes de machado
Roçadeira, serrote, foice e faca
Mesmo assim, sua vida tão opaca
Vale muito para mim, sou seu irmão
Sendo escravo da mesma escravidão
Sou batente também de carne e osso
Pois carrego mais peso no pescoço
Que um batente de pau de um  casarão

 

A PORCA PRETA PELADA
Dedé Monteiro 

Dedé Monteiro
No dia em que eu me casei
Ganhei uma bacorinha.
Era preta e peladinha,
Com muito gosto a criei.
Cresceu tanto que eu nem sei
discriminar a cevada.
Assombrava a meninada
Com seu tipo de gigante!
Parecia um elefante
A porca preta pelada.

Todos tinham medo dela,
Mas ela era tão mansinha
Que eu fiz uma cangalhinha
Pra carregar coisa nela…
Depois comprei uma sela
E a bicha deu de tacada:
Aprendeu toda passada,
Sem ser preciso ensinar…
Todos queriam comprar
A porca preta pelada.

Mas eu não vendia não.
Podia vir ouro em pó
Que eu não dava um mocotó
Da bicha por um milhão!
Um dia um rico ancião
Chegou na minha morada
Com uma vaca raçada,
Me cantou pra fazer troca,
Mas eu disse: é de maroca
A porca preta pelada.

O tempo se foi passando,
A fama dela crescia:
Eu estava almoçando um dia
E, quando estava almoçando,
Ouvi um carro zuando,
Saí pra ver da calçada,
Vi o carrinho na estrada,
Dele o prefeito descer
Dizendo: ‘eu vim só pra ver
A porca preta pelada…’

Tudo ia correndo certo,
Mas um dia aconteceu:
Quando o dia amanheceu
Procurei-a e não vi perto…
E, vendo tudo deserto,
Disse: ‘a bicha foi roubada…’
Mas achei a condenada
Na roça de Pedro Mudo.
Estava acabando tudo
A porca preta pelada.

Tudo que o Pedro cobrou
Paguei sem fazer questão:
Notei que tinha razão,
Pois quase nada ficou…
E ela não se conformou,
Foi lá outra madrugada;
Dessa vez não deixou nada,
Carregou tudo na pança…
Era um ‘esmeril de França’
A porca preta pelada.

De outra feita fez um oco
Na roça de Tia Zefa:
Comeu quase uma tarefa
De jerimum de ‘caboco’…
Derrubou dez pé de coco,
Cada um de uma dentada…
E titia aperreada
Com essa terrível arte,
Quis matar de bacamarte
A porca preta pelada.

Paguei todo o prejuízo,
Depois chamei um pedreiro,
Mandei fazer um chiqueiro
Do jeito que era preciso.
Gastei até ficar liso,
Mas ela ficou trancada,
Tia ficou sossegada,
Eu sossegado fiquei,
Porque nunca mais soltei
A porca preta pelada.

Já fazia um ano e meio
Que a suína estava presa,
Quando uma rude tristeza
Quase aniquilar-me veio.
Foi grande o meu aperreio:
Ela amanheceu deitada,
Sem comer, acabrunhada…
Fui ver o que tinha sido,
A cobra tinha mordido
A porca preta pelada.

Mandei logo um portador
Chamar Seu Zeca Toinho,
Ele foi num minutinho
E trouxe o tal curador.
Este me fez um favor
Que eu não pagarei com nada:
Deixou a bicha curada,
Nunca vi reza tão forte!
Tirou das garras da morte
A porca preta pelada.

Aí gastei mais dinheiro
Pra dar proteção a ela:
Comprei dez metros de tela,
Dessa de fazer viveiro.
Cobri de tela o chiqueiro,
Não deixei brecha pra nada.
A tela era tão fechada
Que não passava nem grilo.
Então fui cevar tranqüilo
A porca preta pelada.

E para recuperar
Todo aquele dinheirão
Adquiri um barrão
Para com ela cruzar.
E, para a estória encurtar.
Apareceu a ninhada!
Até que sei tabuada,
Mas quase que não contava…
Todo mundo admirava
A porca preta pelada.

Ao todo eram trinta e três,
De robusto a mais robusto!
Com um mês, causavam susto:
Já pareciam ter seis…
‘Enriqueci’ de uma vez
Na venda da bicharada:
Vendi a cem contos cada,
Enchi os bolsos contente
E fui cevar novamente
A porca preta pelada.

Inda deu mais sete crias,
Cada qual mais numerosa
Ficou mais do que famosa,
Me deu milhões de alegrias!
Mas também deu-me agonias:
Morreu de velha,  coitada…
Hoje só resta a ossada
Da rainha dos suínos,
Assombração dos meninos,
A porca preta pelada.

Tabira-PE, 1970

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